Better Call US logo

O Paradoxo de Moravec

Publicado em 23 de agosto de 2025

O Paradoxo de Moravec alega que habilidades humanas mais complexas para máquinas replicarem são - paradoxalmente, olha só - as que os humanos consideram mais “básicas” ou “intuitivas”. Essas capacidades, como percepção sensorial, controle motor (até mesmo o ato de caminhar) p.ex., estão profundamente enraizadas em nosso cérebro primitivo e exigem uma vasta quantidade de processamento do sistema nervoso. Por outro lado, habilidades "intelectuais", como habilidade matemática, jogos complexos, são evolutivamente recentes e requerem apenas processamento simbólico, que é mais facilmente modelado por algoritmos, e esses as máquinas já fazem direitinho tem um bom tempo. Li sobre isso no “Como a Mente Funciona” do Pinker, e desde então essa compreensão vem guiando boa parte dos meus papos de boteco sobre a substituição do homem pelas IAs.

Por que estou falando disso? Pedro e eu estávamos conversando sobre aquele terrível trabalhinho “comportamental” do gestor, o de segurar a impulsividade do pessoal de mexer no dinheiro do fundo o tempo todo depois de se emocionar com notícias – “esses caras se arrebentam no mercado”, disse ele e com razão. E essa é exatamente a parcela mais emocional e irracional do mercado.

Que as IAs vão revolucionar inúmeras indústrias e não só a financeira, todos já sabem. Fato é que o mercado é, sempre foi e sempre vai ser sobre gente tomando decisões sobre a alocação do seu dinheiro, e que na maior parte das vezes essas decisões são estúpidas porque não são racionais. Minha convicção é que essa dinâmica não vai deixar de existir, e as ineficiências de mercado que esse comportamento provoca vão continuar sendo a melhor forma de ganhar dinheiro por um bom tempo. A automação das aplicações (os robozinhos) e a economia do engajamento que incentiva a mídia só tem tornado o mercado mais volátil e difícil de tolerar para a maior parte dos investidores. As IAs vão ajudar o smart money a manipular melhor o dumb money, mas saber controlar as próprias emoções é uma das atividades cognitivas mais complexas do homem. As IAs não têm nada a oferecer para proteger o retail além de informação.

E aqui vai informação: porque você muito provavelmente faz parte do dumb money?

Primeiro: quem é o “dumb money”?

São os investidores PF e os fundos de mútuo tradicionais. Fundos mútuos tradicionais são veículos de investimento que são geridos por gestores profissionais – são os FIC, FIA, FIM, FI, aqueles fundos mesmo que dificilmente batem o benchmark (CDI). Em um fundo mútuo, os investimentos de muitos PFs são combinados para criar um grande fundo, que é então investido em uma variedade de ativos diferentes, de acordo com a sua estratégia específica.

E quem os classifica como “dumb money” não sou eu, é a literatura.

Porque esses investidores e classes de investimento são considerados “dumb money”? Porque, frequentemente, esses fluxos costumam ser alocados nos ativos em preços desconectados dos fundamentos de cada um deles, por uma série de motivos que já iremos analisar. Esse fluxo desconectado dos fundamentos cria as distorções entre preço do ativo e valor do ativo que são exploradas, via arbitragem, do smart money, de quem falaremos depois.

Vamos aos motivos pelos quais o dumb money é dumb:

Acabamos de narrar acima, respectivamente, dois vieses cognitivos da criatura humana: o recency bias e o loss aversion bias. Fundamentar decisões em vieses cognitivos é caminho quase certo para uma decisão ruim.

O gestor pode até ter plena ciência disso, mas ele não pode fazer nada para impedir o resgate nesse ponto, fora tentar convencer o cliente – o que raramente funciona, pois é lógica debatendo contra emoção.

E a principal diferença entre o dumb money e o smart money reside aí: um gestor de fundo de mútuo não tem muita liberdade, nem a de impedir que o cotista faça bobagem com seu dinheiro.

Fundos de mútuo em geral estão submetidos a fortes limitações (long only, aporte apenas em ativos com grau de investimento, impedimento do uso de alavancagem e operações de maior risco agregado, por exemplo) e extensa regulamentação, inclusive a que prevê prazos para liquidação das cotas e resgate pelos cotistas – quando eles quiserem, inclusive na pior hora possível.

Já os hedge funds, considerados o smart money, têm muito poucas restrições. Podem operar de tudo, com alavancagem, em qualquer mercado – derivativos, venda a descoberto, em fundos de índice, commodities, economias emergentes, crypto, e vai longe a lista do que eles podem fazer. Eles são menos dependentes da pressão emocional do investidor (o investidor qualificado tem um conhecimento maior dos ciclos de mercado e tolerância ao risco, não vai pedir resgate num momento inoportuno e, se pedir, capaz de não levar). Dessa forma, eles têm liberdade de operação – o que os torna rápidos para explorar, em um volume desproporcional ao seu tamanho, graças à alavancagem que usam, as assimetrias que identificam nos mercados.

É isso que determina o perfil “inteligente” desse tipo de fluxo: ele explora oportunidades criadas pelos erros e limitações, inclusive comportamentais, das demais classes de investidores.

Quando o investidor PF aloca o investimento dele em um fundo mútuo com ótimo desempenho recente, é quase certo que as ações que responderam por essa forte valorização agora estão sobrecompradas, em ponto de correção. Quando os gestores de fundos de investimento recebem esses novos fluxos de investidores de varejo que os procuraram pelo bom desempenho recente, geralmente aumentam as posições nas participações acionárias existentes – afinal, elas estão com bom desempenho; em time que está ganhando não se mexe, não é mesmo?

E essa estratégia está errada? Não. A tendência do mercado e de qualquer ativo específico é continuar no movimento macro em que ele se encontra. Dessa forma, a maior parte da compra de ativos em tendência de alta é um excelente negócio, exceto pelo fato de que o investidor não consegue nem passar pelas correções naturais na tendência de longo prazo sem se emocionar e ficar mexendo nas posições.

Como resultado, os fluxos de aplicação estão associados a retornos de ações mais altos, que geralmente sofrem reversão subsequente no seu retorno.

É POR ISSO que o mercado funciona com o dumb money comprando topo e vendendo fundo. Esse é o fundamento do mercado, e ele não vai mudar.

O que você pode fazer é se educar mais e aprender a forma correta de investir o seu dinheiro.

Se você acha que não está preparado para isso, e quiser aproveitar um bom momento de renda variável, aprenda a selecionar melhor o fundo de investimentos onde você vai aplicar seu dinheiro – e que não seja nem de longe pelo desempenho recente, mas pela confiança que você sente no gestor. Você vai precisar confiar na palavra de quem faz gestão do seu dinheiro para que ele possa fazer um bom trabalho.

Quer saber mais sobre como evitar as armadilhas do dumb money e operar como o smart money? Junte-se ao nosso grupo no X e acompanhe nossas análises e dicas!

Voltar para o site